Consigo, um projeto que faz a diferença em Guimarães

PorFórum

Consigo, um projeto que faz a diferença em Guimarães

O projeto “Consigo” faz o acompanhamento de proximidade na Comissão Social Interfreguesias (CSIF) Sudoeste da Montanha da Penha e tem um banco de empréstimo de equipamentos adaptativos a pessoas carenciadas que abrange todo o concelho de Guimarães. O Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência acompanhou a visita a duas famílias beneficiárias e se lá fora a chuva teimava em cair, dentro das casas visitadas só se encontrou simpatia e calor humano.

30 de janeiro, 14h30, Serzedo, Guimarães. Dona Clementina e o senhor José são os beneficiários deste acompanhamento, encaminhados pelo Projeto Guimarães 65+ a em maio de 2018, está prestes a fazer dois anos. “Ela dizia que precisava de equipamentos, mas apresentava sintomas depressivos, queixava-se muito e abrimos o processo para acompanhamento psicológico”, contextualiza a psicóloga Ângela Rodrigues.

À entrada dois cães dão-nos as boas vindas e uma salamandra anuncia o calor humano com que seríamos recebidos pelo casal. A conversa decorre, informal, enquanto se avalia o funcionamento do telemóvel adaptado a situações de emergência atribuído no âmbito do Guimarães 65+. Enquanto isso, Luís Lemos, administrativo da equipa Consigo, avalia o estado de preservação da cadeira de banho emprestada e identifica alguma ferrugem que justifica a substituição do equipamento para que possa ser reparado. “Vamos levar a cadeira ao parceiro do projeto para fazer as reparações que o equipamento necessita, neste caso é pintura, para manter o equipamento no melhor estado para emprestar novamente a quem precisar”, explica a educadora social que também integra a equipa, Cláudia Oliveira.

A dona Clementina esteve no hospital há poucos dias e ainda se apresenta queixosa das pernas. “Elas incham-me muito, estava-me sempre a sentar. Desde as cinco até às nove da noite. Assim que tal eu não subo, não tenho forças”, lamenta a demora no atendimento. “Aflição” – aponta para a barriga – “Aflição”.

A consulta de psicologia decorre no quarto do casal. Enquanto isso o senhor José participa em atividades de estimulação cognitiva. “Foi realizada uma avaliação cognitiva inicial, de interesses e gostos e tentámos fazer sempre a monitorização, voltando a fazer a avaliação cognitiva para ver a evolução”, explica Cláudia Oliveira.

“Boa música”, aprecia o senhor José. “Gosta? Acertei?”, pergunta Cláudia Oliveira. “Gosto. Acertou”, responde contente. “Dantes íamos para a vindima, as mulheres iam buscar os cestos para o lagar e no fim íamos dançar”, lembra sugestionado pela canção escolhida para animar a realização das atividades.

“Jornal, couve, Alemanha, quinta”, são as palavras inscritas em cartões colocadas sobre a mesa pela educadora social com o intuito de exercitar a memória do senhor José. De olhos fechados começa: “Jornal, couve…ainda agora disse, é um país. Alemanha”. E assim passam algum tempo a realizar os exercícios entrecortados por alguma conversa motivada pela atividade ou simples desabafos, aproveitando que o contexto também é propício a dois dedos de prosa. “Está cansado, com sono?”, pergunta Cláudia Oliveira. “Eu? Nem de noite durmo”, diz o senhor José que admite andar adoentado. Também foi ao hospital, fazia oito dias, com uma dor nos pulmões, antevendo, igualmente, alguns problemas de saúde.

A conversa vai-se fazendo de voz levantada para o senhor José ouvir. Está para breve a colocação de um aparelho auditivo. O plano de intervenção do Consigo inclui uma articulação com a equipa médica que acompanha a família e também tem em consideração toda a mediação necessária com outros serviços. Regra geral, têm conseguido dar resposta a tudo o que vai surgindo. “E quando não damos encaminhamos para outro serviço, mesmo que não tenham direito por questões económicas [por não terem insuficiência económica] nós encaminhamos para outra resposta”, refere Ângela Rodrigues. “Nunca deixámos as pessoas desamparadas”, completa Cláudia Oliveira.

O acompanhamento é sempre realizado no contexto natural de vida das pessoas, a equipa do Consigo vai sempre ao encontro das famílias, conhece-lhes as casas, o que facilita a identificação das necessidades. Esta intervenção também trouxe benefícios para a relação do casal, porque melhorou a cumplicidade e o companheirismo conjugais. “A gente fica mais alegre e tudo. É já como se fosse família,” avalia o senhor José em referência à psicóloga Ângela Rodrigues e à educadora social Cláudia Oliveira.

A consulta termina e uma vizinha aparece – traz uma manga para oferecer ao casal. “Comprei para provar, mas não gostei. Gosta dona Clementina?”, diz a senhora Natividade.

16h30, Creixomil, Guimarães. O motivo da visita prende-se com a avaliação do estado da cadeira de rodas que o Projeto Consigo emprestou, há mais de dois anos, a Cristiano, na altura com 10 anos. Susana Ferreira, a mãe, diz que este equipamento mudou completamente a vida da família que passou a aproveitar mais os momentos fora de casa e a alongar os passeios sem preocupações acrescidas. “Veio mudar tudo porque eu não podia sair, só se fosse de carro porque a pé ele não ia. Agora vai comigo às compras, vai para todo o lado”, confirma Susana Ferreira.

Foi a escola que solicitou o empréstimo da cadeira de rodas à equipa do Consigo para que o Cristiano pudesse participar nos passeios escolares. “Embora o pedido tenha sido feito pela escola, a mãe percebeu que era uma necessidade importante e eles dão muito uso”, atesta Ângela Rodrigues. “Esta cadeira de rodas vai fazer dois anos em maio e já teve que trocar de pneus”, acrescenta Luís Lemos, responsável pela análise das necessidades de manutenção dos equipamentos.

Como o uso do equipamento se intensificou, os problemas de mobilidade do Cristiano têm vindo a agravar-se e o crescimento físico também é visível, a verdade é que nesta visita foi equacionada a passagem desta cadeira infantil para uma cadeira de rodas de adulto. “Ele não quer outra coisa, não quer sair de casa sem a cadeira, é por isso que ele agora pede para ir ao Continente”, explica a mãe.

Susana Ferreira não sabe determinar a doença de Cristiano. Diz que “tem um cromossoma a dobrar que lhe dá atraso de desenvolvimento” e que “o que tem em si, não descobrem”. “Passados 15 dias dele nascer começamos a notar a cabeça maior do que o corpo”, explica. O Cristiano já andou, mas desde 2016 começaram a surgir os problemas de mobilidade, notados com o fechar da mão e depois de ter chegado a casa com o pé inchado. “ O andar começou a ser sempre este. Suspeitaram que foi um AVC [Acidente Vascular Cerebral]”, acrescenta a mãe.

O Cristiano faz terapia da fala e ocupacional, “não é muito tempo, mas o tempo que tem é importante”. E embora os encargos nos cuidados ao Cristiano sejam muitos, a verdade é que a Susana tem que dividir a atenção com mais dois filhos. “Ele tem muitos ciúmes”, refere. “A mãe vai buscar uma prenda para o Cristiano, sim? Ele vai para todo o lado, ele corre a cidade toda. Dantes não ia, não é?”, remata tentando envolve-lo na conversa.

O Projeto “Consigo” é um serviço instalado na antiga Escola Primária de Infantas que faz um atendimento e acompanhamento de proximidade a pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou dependência permanente ou temporária residentes nas freguesias de Pinheiro, Infantas e uniões de freguesias de Tabuadelo e S. Faustino, Serzedo e Calvos e Abação e Gémeos.

Além de disponibilizar apoio psicológico e psicoeducativo dos beneficiários e familiares da Comissão Social Interfreguesias Sudoeste Montanha da Penha tem um banco de empréstimo de equipamentos adaptativos como por exemplo, camas articuladas, cadeiras de rodas, cadeiras de banho e outros equipamentos que funciona ao nível de todo o concelho vimaranense.

“O acompanhamento é sempre feito ao domicílio, exceto nos empréstimos pontuais. São as pessoas que vão lá buscar o equipamento. Pode ser de três dias até 30 dias. Aí não há avaliação da condição económica”, explica Ângela Rodrigues. “Há necessidade apenas de um relatório médico a dizer que necessita do equipamento e de confirmação de residência”, completa Cláudia Oliveira.

No arranque do projeto, em abril de 2016, foram adquiridos 128 equipamentos e já foram realizados um total de 262 empréstimos até ao momento. As campanhas de doação realizadas até ao momento conseguiram angariar um total de 278 equipamentos, sendo que 47 puderam ser reutilizados, mas a maior parte, 231, foram reciclados.

Este processo de recilagem incluiu a criação da obra “Art will try to fix you” de Pedro Guimarães, um artista plástico vimaranense que aceitou envolver-se com o projeto Consigo para chamar a atenção para a importância da personalização de produtos de apoio e trazer mais cor aos equipamentos, tornando-os menos cinzentos. (reportagem sobre a pela de arte AQUI).

Dados do ano passado demonstram que o projeto fez em 2019 mais de cento e cinquenta visitas domiciliárias e que tem mais de cem processos abertos entre acompanhamento social, psicológico e relativos a empréstimo de equipamento.

Muitas das vezes o que motiva a arquivação do processo é a morte do beneficiário. “Mas se houver um cuidador que necessite de um acompanhamento posterior como já tivemos, continuámos até a pessoa ter condições de ter alta”, refere a psicóloga do Consigo. “Não fechamos logo o processo, contactámos uma ou duas vezes, se há a necessidade de acompanhamento para outro serviço ou não e quando estiver tudo estabilizado e reorganizado fechamos o processo”, completa a educadora social.

O Projeto Consigo tem como entidade promotora o município de Guimarães e como entidade executora a freguesia de Infantas, funcionando de segunda a sexta-feira entre as 9h30 e as 17h00.

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O Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência é um órgão informal de debate, de consulta e informação que funciona com o apoio da Divisão da Ação Social da Câmara Municipal de Guimarães e que, em 2018, completa 15 anos de existência. Composto por representantes de associações e instituições públicas e privadas, pessoas com deficiência e respetivos representantes o Fórum assume como principais funções a promoção e organização de debates temáticos e de ações e projetos de interesse para as pessoas com deficiência, assim como a apresentação de propostas e sugestões dirigidas a este público. Podem fazer parte do Fórum associações e instituições públicas e privadas, com personalidade jurídica, pessoas com deficiência e seus representantes. Os membros devem ser registados.

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