Ricardo Rocha: “Eu ando sempre na luta no meu dia-a-dia, como qualquer outra pessoa”

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Ricardo Rocha: “Eu ando sempre na luta no meu dia-a-dia, como qualquer outra pessoa”

Não tinha qualquer problema de visão, mas por causa de um acidente de trabalho, uma doença hereditária manifestou-se e acabou por ficar cego. “Eu caí para trás de costas na pastelaria a tirar uma tela de pão e foi a partir daí que eu comecei a perder a visão”, lembra Ricardo Rocha, vimaranense, a viver em Sande-São Clemente a terra que o viu nascer e crescer há 49 anos.

 Vive há quase 15 anos com uma cegueira total. O problema de visão, detetado aos oito anos, impedia-o de ser condutor profissional, mas de resto poderia ter uma vida “perfeitamente normal”. “O médico dizia que eu tinha um problema e que tinha de andar sempre atento para não bater com a cabeça, mas a idade foi avançando, o tempo foi passando e nós nunca ligamos a isso”, admite Ricardo Rocha. “Na altura o médico não deu nome [ao problema], só disse que devia ser vigiado, mas para não me alarmar”, recorda.

Mas o problema tem nome e é pomposo: Retinite pigmentar. Esta doença degenerativa da retina, causada por várias mutações genéticas, provoca perda de visão progressiva, podendo conduzir à cegueira. E foi, precisamente, o que aconteceu com o Ricardo. Passados três anos da queda, teve varicela e os 7% de visão que restavam, também foram perdidos. “De um dia para o outro não tinha clareza, ficou tudo escuro, apagou tudo”, resume.

Foi a 20 de agosto de 2004 que caiu e em 2007 cegou completamente. “Eu já estava a fazer um retardamento da cegueira mas depois a varicela é que prejudicou tudo”, lamenta. Já era casado desde 2002 e tinha duas filhas, tendo a mais nova pouco mais de um ano quando cegou completamente.

“Eu tinha uma vida estável e desestabilizou tudo e depois uma pessoa gasta o que tem e o que não tem, o dinheiro começa a fazer falta, atrasei contas e essas coisas todas”. Ricardo Rocha

A pastelaria era e, continua a ser, a paixão de Ricardo Rocha mas os médicos diziam que o vapor dos fornos ainda faziam pior à visão. A vida, nesta fase, deu uma volta de 180 graus: “Eu a lutar contra cegueira e a fazer de tudo mas não havia nada a fazer pois, via cada vez pior e era irredutível deixar de trabalhar”, lamenta. “Foi muito difícil porque eu amava a pastelaria”, diz. “A pastelaria, para mim, era o meu mundo, a coisa que eu mais adorava era o meu trabalho”, acrescenta.

Antes de fazer o “luto” perante a nova realidade não conseguia entrar na confeitaria onde trabalhou, nem sequer chegar lá próximo, até que começou “a ver as coisas de outra forma”. Dez anos depois, voltou a trabalhar e a fazer pastelaria em casa. “Comecei com uma batedeira do Lidl, que ainda tenho, a fazer as minhas coisas”, explica. Ricardo Rocha foi comprando mais material, rolo da massa, uma batedeira profissional e trabalha por encomenda, dando a conhecer as iguarias por que é conhecido, nomeadamente, o bolo-rei escangalhado. “No Natal e no Ano Novo, eu fazia o bolo-rei escangalhado, uma receita minha. Agora que recomecei a fazê-lo, até os patrões o gabam e dizem: ‘É impressionante, ele explicou tudo ao pasteleiro e ele não faz assim, e tu passados estes anos todos fazes o bolo-rei que fazias”, refere orgulhoso.

A esposa é mais preocupada, mas as filhas que, praticamente, conheceram o pai sempre cego lidam com naturalidade com este contexto e são mais relaxadas. “Elas dizem: ‘Deixa o pai ir ele sabe o que vai fazer, não precisa de ajuda’. Porque aqui em casa, qualquer coisa que seja para resolver é o pai que vai, não é a mãe”, esclarece Ricardo Rocha.

Ricardo Rocha nunca gostou de se fazer de vítima e evita pedir ajuda seja para ir a um banco ou ir às compras, mas nem tudo está preparado para permitir que seja autónomo e independente de terceiros. “Hoje em dia vamos a um posto médico, ou a um hospital e tem lá um ecrã e, que pomos o cartão de cidadão e clicamos naquilo que queremos. Nós [pessoas cegas] chegamos ali e esbarramos porque não temos acessibilidade. Vamos a uma caixa multibanco é tudo “touch”, onde é que está a voz e as teclas?” questiona Ricardo Rocha.

No início não foi fácil encontrar um rumo neste mundo de dificuldades em que a ajuda e a orientação demoraram a chegar. “Ninguém me disse onde é que era a ACAPO, nem sabia andar de bengala”, lembra. Mas assim que conheceu esta organização que apoia cegos e pessoas com baixa visão começou a ter apoio na orientação e mobilidade e a aprender a andar de bengala. Aprendeu também braille, a utilizar telemóveis e computadores. “A última formação que lá fiz foi de auxiliar administrativo. Sempre andei na luta. Eu ando sempre na luta no meu dia-a-dia como qualquer outra pessoa”, refere.

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