Seis anos após a aprovação do Estatuto do Cuidador Informal, em julho de 2019, a realidade de quem cuida diariamente de familiares dependentes continua marcada pela burocracia, invisibilidade social e apoios insuficientes. Em Portugal estima-se a existência de cerca de 1,4 milhões de cuidadores informais, mas apenas 18 mil têm estatuto reconhecido e pouco mais de seis mil recebem subsídio, com valores médios entre 400 e 450 euros.
Os números contrastam de forma evidente com a dimensão real deste fenómeno: a esmagadora maioria dos cuidadores continua sem proteção financeira, sem descanso e sem apoio psicológico estruturado, apesar de apresentarem riscos acrescidos de depressão e ansiedade.
A legislação que veio regulamentar direitos e deveres, e criar apoios como descanso e proteção contributiva para o cuidador principal, assim como algumas vantagens aos cuidadores trabalhadores, designados de cuidadores não principais. A estes são concedidos direitos como licença anual de cinco dias, 15 dias de faltas justificadas, teletrabalho, horário flexível, tempo parcial e proteção contra despedimento, com base no Código do Trabalho, para conciliar os cuidados com a sua atividade profissional.
É para, de alguma forma, colmatar as lacunas existentes na legislação que regulamenta o Estatuto de Cuidador Informal que foi criado o consórcio Guimarães, Concelho Cuidador. A iniciativa, coordenada pelo município vimaranense e operacionalizada através de um Gabinete de Apoio ao Cuidador localizado na delegação de Guimarães da Cruz Vermelha Portuguesa, foi formalizada em fevereiro de 2021.
As 23 organizações que protocolaram este programa comprometeram-se a desenvolver várias atividades dirigidas aos cuidadores informais. Qualquer contacto ou esclarecimento adicional deve ser feito através do email gabineteapoiocuidador@cm-guimaraes.pt.
Este projeto de cooperação orienta os cuidadores informais para o apoio psicológico individual, sessões de formação e o esclarecimento necessário sobre as burocracias associadas à requisição do Estatuto do Cuidador Informal ou outros apoios sociais relacionados com as pessoas que cuidam.
No entanto, entre burocracias demoradas, falta de informação e apoios que tardam a chegar, muitos cuidadores sentem que o reconhecimento legal existe sobretudo no papel. As experiências de Bernardino Machado, Fernanda Abreu e Paula Fernandes mostram precisamente essa distância entre o que está previsto e o que realmente acontece no terreno. Sem o apoio deste e de outros projetos – como o Estórias da Madeira – Oficina de Criatividade, Empoderamento e Transformação Pessoal, promovido pelo Palavras Infinitas – Núcleo de Inclusão, Comunicação e Media e pela Because I Care – Associação para Apoiar e Cuidar de Pessoas que Cuidam, com a Câmara Municipal de Guimarães como investidor social – estes cuidadores informais estariam bastante desamparados.
Já a Caisa – Cooperativa de Artes, Intervenção Social e Animação, a partir de Vermil, tem vindo a criar respostas de proximidade dirigidas aos cuidadores informais, colmatando algumas das falhas deixadas pela aplicação prática do Estatuto de Cuidador Informal. Através de projetos como o Pequenos Cuidadores, na área da educação, a cooperativa acompanha crianças, jovens e idosos por fim a promover a partilha de experiências e ensinar o valor de cuidar de forma lúdica e intergeracional, resultando numa maior participação cívica e um melhor envolvimento social para todos.
Bernardino tornou-se cuidador a tempo inteiro após o filho, Diogo, sofrer lesões neurológicas graves decorrentes de complicações pós-cirúrgicas em 2020. Foi então que recorreu ao Estatuto do Cuidador Informal. O processo, feito online, descreve-o como simples na teoria, mas lento na prática: os apoios financeiros demoraram meses a chegar e a informação disponível era escassa. “Para cobrar, o Estado sabe sempre onde estamos. Para ajudar, já não”, afirma.
Fernanda Abreu é cuidadora desde 2007 e obteve o estatuto há quatro anos para poder equilibrar o emprego com os cuidados do filho, André, com neurofibromatose. Demorou dois anos (em contexto pandémico) para obter o reconhecimento, e a flexibilidade do horário de trabalho está prevista por lei, mas o agrupamento de escolas no qual é funcionária, ainda assim, negou-lha.
“Sabemos quais são os nossos direitos, mas chegamos à questão e dizem-nos que não”, confessa, reconhecendo que existem imensos cuidadores sem conhecimento sobre os respectivos direitos. “Às vezes esquecemo-nos de ir à procura dentro das Câmaras Municipais, que têm ação social, porque já estamos habituados a portas fechadas ou não obtermos sequer resposta”, explica a cuidadora.
Paula Fernandes, por outro lado, passou a vida inteira a cuidar, primeiro da irmã com trissomia 21, depois da mãe com demência, sem nunca ter pedido o estatuto. Não por não precisar, mas porque tem a perceção de que o processo é complexo, moroso e pouco compensador. “Com a facilidade logística que eu tenho, parecia não fazer sentido pedir. Foi um bocadinho por desmazelo e facilidade”, admite, destacando uma realidade transversal a muitos cuidadores: mesmo quando existem apoios, há quem não os peça porque não sabe, não consegue ou não acredita que valerão o esforço.
Todos apontam, de perspetivas distintas, para um problema comum: o estatuto não garante, de forma efetiva, condições que aliviem a sobrecarga emocional, física e financeira. Bernardino Machado fala na falta de articulação entre serviços e na escassez de respostas para quem cuida a tempo inteiro. Fernanda Abreu demonstra que a entidade patronal pode escolher não atender ao estatuto, fazendo-o perder força à luz da discriminação, pelo que deve ser reajustado. Paula Fernandes sublinha que pequenas ajudas, financeiras, logísticas ou de acompanhamento, fariam a diferença numa rotina que, muitas vezes, se vive em solidão. E critica a tendência para institucionalizar pessoas que poderiam continuar no seio da família com o apoio certo: “Empurrar para instituições nem sempre é a solução. Muitas vezes perdem autonomia, perdem escolhas”, refere a cuidadora informal.
Ao contrário do que o estatuto pretende assegurar, o peso do cuidado continua, na maior parte dos casos, entregue quase por inteiro às famílias. São elas que gerem, por norma, sozinhas, a saúde, os horários, os tratamentos, as decisões clínicas, a papelada e o desgaste emocional. O caso de Bernardino Machado mostra que mesmo quando o estatuto é pedido, os apoios tardam e as famílias ficam meses sem respostas. Fernanda não vê os direitos contemplados, e a discriminação mantém-se mesmo face à lei. O de Paula Fernandes revela que muitos potenciais beneficiários nem chegam a entrar no sistema. Em comum, fica a sensação de que o país continua dependente do trabalho silencioso de cuidadores informais, cujo contributo rara vez é reconhecido na prática. Ainda assim, estes cuidadores reconhecem que este Estatuto de Cuidador Informal, que tanto custou a conquistar, é a única garantia atual para que estas pessoas que cuidam por amor saiam da invisibilidade.
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