É mulher, mãe do André, diagnosticado com neurofibromatose desde 2007, e esposa de Manuel, a quem doou um rim para pôr fim à diálise causada pela insuficiência renal. Trabalha como assistente operacional numa escola e frequenta o curso de Serviço Social. Como se não bastasse, dedica o tempo livre à organização de peregrinações e caminhadas.
É cuidadora informal há duas décadas, mas apenas há cinco anos obteve o Estatuto que a reconhece enquanto tal. Sente-se satisfeita por ter deixado de ser invisível para o Estado, embora sublinhe que ainda há muito a fazer — a nível burocrático, financeiro e social — para apoiar quem cuida 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, apenas por amor.
Requisitou o estatuto em 2021 “só mesmo por causa do horário a nível profissional”, refere em entrevista. Contudo, diz não fazer “muito usufruto”, uma vez que a escola onde trabalha optou por não lhe conceder as manhãs que precisa para cuidar do filho, mesmo depois de confrontada com o estatuto.
O estatuto do cuidador informal não principal para quem trabalha prevê a flexibilidade do horário de emprego, por forma a conciliá-lo com os cuidados, podendo ser a tempo parcial durante, no máximo, quatro anos, a gozar de forma seguida ou não. É renovável e concede ainda o direito ao regime da parentalidade como previsto no Código do Trabalho, bem como a redução até 50% da carga horária, proteção em caso de despedimento e, quando possível, a opção de teletrabalho.
Diagnosticado quando tinha apenas oito anos com neurofibromatose, André passou por múltiplas cirurgias e tratamentos para a remoção dos excessos de tumores alojados no cérebro. “Não fui buscar forças a lado nenhum”, confessa a mãe, “foi ficar ali num charco, a chorar com as minhas dores e a tentar perceber o que é que havia de fazer com aquilo”, recorda.
Na altura, Fernanda Abreu tinha uma filha com dois anos e uma casa por pagar que lhe tomava “grande parte do ordenado”. Desejou alguém que lhe desse colo, “mas não houve”. “Então esperneei durante algum tempo, fiz o luto de um filho saudável para poder abraçar o filho com dificuldades e juntos irmos em busca do que quer que seja, juntos, em família”, relembra. “E foi assim que aguentámos: tudo em família”, reforça.
Entre 2007 e 2021, passaram-se 14 anos de cuidados intensos sem apoios, entre idas ao hospital, requerimentos de P1s e andar com “documentos para trás e para a frente”, descreve a cuidadora informal. “Estamos na era da informática, mas não há redes. Além de termos pouco ou menos dinheiro, ainda temos de suportar custos de situações e assuntos que deveriam estar resolvidos a priori”, aponta.
Fernanda considera insuficiente o progresso feito para os utilizadores do estatuto. “Não sei se é por falta de vontade ou falta de meios”, aponta. Embora reconheça o valor e a necessidade das iniciativas do município, Fernanda identifica ainda imensas lacunas. Muitos cuidadores não sabem dos meios à disposição ou que direitos têm. “Já estamos habituados a bater às portas, criar expectativas e, ao chegarmos lá, termos as portas fechadas ou nem sequer obtermos resposta, que muitas vezes não vamos em busca de mais”.
A realidade das pessoas com deficiência e dos cuidadores é “muito má”, tanto pela exclusão social como por estarem habituados a ouvir repetidamente a palavra “não”. “A nossa tradição para confraternizar é em cafés ou restaurantes”, mas para que isso seja possível “é preciso ver se há casas de banho, se há escadas, se há espaço”, e esta intensa logística acresce ao cansaço emocional.
“Claro que falta muita coisa, por exemplo, aquele varandim [no Toural] não está ali a fazer nada, pelo contrário, já vi muitas pessoas cegas a esbarrar contra aquilo”, denota. “Eu acho que não se trabalha muito a acessibilidade” para pessoas idosas ou incapacitadas, em relação a cafés e zonas comerciais ou passeios e WCs adaptadas.
A resiliência alimenta-se no dia-a-dia. “Nós só temos duas hipóteses: ou abraçamos com amor e vamos à luta, ou então ficamos ali no vitimismo e na dor. Por isso, arranjamos estratégias para nos abraçarmos uns aos outros, termos uma rede para a qual podemos telefonar, do género ‘olha, hoje o meu está bem, podemos ir tomar um café, nem que seja cinco minutos’”, explica. São esses cinco minutos, esporádicos e incertos, que muitas vezes lhe dão forças para continuar. “Porque nós falamos todos a mesma linguagem: a dor de um é a dor do outro” e, quando partilhada, não dói tanto.
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