No dia 29 de março foi aprovada, em reunião de Assembleia Geral do Centro de Vida Independente (CVI), a criação da delegação Vale do Ave desta entidade constituída por pessoas com deficiência e representadas nesta delegação pelo vimaranense Marco Ribeiro, escolhido como coordenador desta estrutura que visa lutar pelos direitos das pessoas com deficiência.
A vida independente é a filosofia que está na base das reivindicações do CVI a nível de acesso a transportes e espaços públicos, à escola e à formação, acesso ao mercado de trabalho e ao serviço de assistência pessoal. Mas acima de tudo, rege a luta por uma vida digna primada pelo respeito pelas respetivas escolhas e decisões e que que garanta “uma efetiva autorrepresentação e autodeterminação” das pessoas com deficiência.
As delegações, como é o caso da recém-criada Vale do Ave, são muito importantes porque funcionam como grupos organizados de ativistas que se juntam e planeiam ações de proximidade para que se tomem medidas no sentido de reivindicar destes mesmos direitos.
Abril foi o mês para os elementos da delegação se conhecerem melhor, angariarem novos “companheiros de luta” e para organizar a primeira ação pública da delegação do Vale do Ave do CVI.
No dia 05 de maio foi o Dia Europeu da Vida Independente e para assinalar esta data o Centro de Vida Independente promoveu uma marcha, em Lisboa e em Vila Real e uma concentração, em Guimarães, que reivindicava uma assistência pessoal adequada e acessível a toda a gente que precisa e na defesa da Vida Independente.
Adolf Ratzka, o fundador do Instituto de Vida Independente da Suécia e pioneiro do Movimento de Vida Independente na Europa deixa nota que, nos tempos que correm, “a maioria das pessoas com deficiências significativas e que necessitam de assistência nas atividades da vida diária está dependente das suas famílias ou vive em instituições residenciais”.
A assistência pessoal é essencial para que as pessoas com deficiência possam viver em comunidade mas a figura do assistente pessoal ainda gera confusão e não tem um papel definido e respeitado. “As pessoas, que sabem muito pouco sobre a assistência pessoal, partem do princípio de que os nossos assistentes se limitam a garantir que não passamos frio, não morremos à fome, não cheiramos mal. E que isso seja tudo o que precisamos para sobreviver”, refere o ativista. “Mas nós não estamos interessados em sobreviver. Nós queremos ter uma vida”, defende Adolf Ratzka.
Esta iniciativa de luta por direitos humanos, para “exigir coletivamente que a assistência pessoal seja para toda a gente que precisa”, em Guimarães aconteceu no Parque da Cidade, onde a concentração se realizou e se teve oportunidade de conhecer melhor algumas das pessoas que compõem esta delegação.
Fórum Municipal (FM) – A delegação do Vale do Ave do Centro de Vida Independente é a mais recente estrutura no panorama associativo vimaranense. Como surgiu?
Marco Ribeiro (MR) – A delegação do Vale do Ave do Centro de Vida Independente surgiu através da iniciativa de um grupo de pessoas com deficiência, liderado por Marco Ribeiro, que sentiram a necessidade de ter uma estrutura que lhes permitisse lutar pelos seus direitos e promover a vida independente na região.
Na sequência do evento Seeds of change, realizado em Guimarães reunindo pessoas com deficiência e ativistas vindos de todo o país, encheu-nos de uma notável vontade de trabalhar também na nossa região, pelo que se proporcionou o convite do Centro de Vida Independente em criar uma nova delegação, e assim alargar a atuação desta entidade para uma nova região.
FM – O que traz de novo ao concelho?
MR – A delegação do Vale do Ave do Centro de Vida Independente traz uma nova dinâmica ao concelho de Guimarães e à região de Vale do Ave em geral, uma vez que oferece serviços e suporte para pessoas com deficiência que antes não estavam disponíveis.
FM – E à luta pelos direitos das pessoas com deficiência?
MR – A delegação do Vale do Ave do Centro de Vida Independente contribui para a luta pelos direitos das pessoas com deficiência, na medida em que promove a autonomia e independência, valores fundamentais para a inclusão social e a igualdade de oportunidades. Além disso, o Centro de Vida Independente trabalha com a filosofia do Movimento de Vida Independente, que reconhece o direito das pessoas com deficiência de terem controlo sobre as suas vidas, fazendo as suas próprias escolhas e tomando decisões sobre as suas necessidades.
FM – A área de atuação não se vai circunscrever apenas ao concelho de Guimarães: até onde querem ir em termos territoriais?
MR – A área de atuação do Centro de Vida Independente não se limita apenas ao concelho de Guimarães, mas estende-se a toda a região do Vale do Ave e até mesmo a outros territórios, como Fafe, Póvoa de Lanhoso, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Trofa, Vieira do Minho, Vila do Conde, Vila Nova de Famalicão, Vizela conforme as necessidades das pessoas com deficiência forem surgindo. Por isso, todas as pessoas com deficiência destes concelhos podem contactar-nos e juntar-se ao CVI.
FM – Quem é Marco Ribeiro e por quem se rodeou para abraçar este novo desafio?
MR – Eu sou um ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e cofundador da Delegação de Vale do Ave do Centro de Vida Independente. Sempre me demonstrei muito ativo e ativista pela inclusão das pessoas com deficiência desde muito jovem. Em algumas atividades de destaque, desde o primeiro corta-mato em cadeira de rodas em 2002 e o sarau desportivo de ginástica, no agrupamento de escolas Abel Salazar em 2002, tendo a iniciativa se alargado ao Agrupamento de escolas Benjamim Salgado nos anos seguintes. Ajudei, em 2011, a fundar e faço parte da direção do Associação Cultural de Vermoim Andebol Clube de Vila Nova de Famalicão.
Fui atleta e treinador de Andebol em Cadeira de Rodas pela delegação de Braga da Associação de Pessoas com Deficiência, equipa campeã Nacional em 2012\2013 e 2013/2014. Também sou diretor nacional da Federação de Andebol de Portugal dinamizando o projeto Andebol4All. Fiz também parte do grupo de Estratégia e Planeamento do Campeonato Europeu Andebol de Masters 2017, em que Portugal se sagrou Campeão Europeu. Marco rodeou-se de um grupo de pessoas com deficiência, de forte personalidade de igual destaque, para abraçar o novo desafio de criar uma delegação do Centro de Vida Independente na região do Vale do Ave.
FM – E em termos de projetos e objetivos?
MR – Os projetos e objetivos da delegação do Vale do Ave do Centro de Vida Independente incluem a prestação de serviços e suporte para pessoas com deficiência, a promoção da vida independente e da inclusão social, a sensibilização e a conscientização da sociedade sobre as questões relacionadas às pessoas com deficiência, e a defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
FM – A concentração realizada no parque da cidade, em Guimarães, por ocasião do Dia Europeu da Vida Independente foi a primeira ação pública. Como correu?
MR – A concentração correu bem e contou com a participação de muitas pessoas com deficiência e seus apoiantes que apesar do mau tempo não deixaram de aparecer e manifestar o respetivo apoio.
Foi uma oportunidade para dar visibilidade às questões relacionadas com a vida independente, com a inclusão das pessoas com deficiência e com o futuro dos projetos piloto do Modelo de Apoio à vida Independente. E a junção de novos membros, desde já vem demonstrar que este projeto vale a pena.
FM – O que reivindicava esta ação de protesto?
MR – A ação de protesto reivindicava mais apoio e investimento em serviços e suporte para as pessoas com deficiência, bem como a promoção da vida independente e a inclusão social, destacam-se a exigência de implementação de políticas para a deficiência, num processo participado – que não de meros anúncios, estratégias ou programas – e que se cumpra o princípio de “Nada sobre nós sem Nós”.
FM – Para quem não sabe, o que é a Vida Independente?
MR – Vida Independente é uma filosofia de vida aplicada às pessoas com deficiência que promove a autonomia e a independência assumindo que elas têm capacidade, e sobretudo direito, à sua autodeterminação e podem decidir sobre as suas próprias vidas. Ele reconhece o direito das pessoas com deficiência de terem o controlo sobre suas vidas, fazendo as suas próprias escolhas e tomando decisões sobre as suas necessidades defendendo a materialização dos princípios constantes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que só se cumprem caso exista Vida Independente.
FM – O que têm previsto para o futuro próximo?
MR – Para o futuro próximo, a delegação do Vale do Ave tem previsto alargar os serviços oferecidos pelo Centro de Vida Independente a nível nacional e organizar novas iniciativas que ajudem a alimentar a esperança e a força de viver de todas as pessoas com deficiência em Portugal. Acima de tudo queremos criar um sentimento de pertença, dar voz às pessoas e que elas se revejam nesta organização dirigida apenas por pessoas com deficiência.
MANIFESTO – 6ª MARCHA PELA VIDA INDEPENDENTE
Mais uma vez exigimos a efetiva e concreta implementação de políticas para a
deficiência, num processo participado – que não de meros anúncios, estratégias e/ou
programas – e que cumpra o princípio de “Nada sobre nós sem Nós”.
Continuamos a defender a materialização dos princípios constantes da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência. Algo que deverá assumir como prioridades
estratégicas:
1. Implementar o direito a uma Vida Independente, garantindo uma efetiva
autorrepresentação e autodeterminação;
2. Assegurar que a assistência pessoal seja para todas as pessoas que necessitem,
gratuita e financiada de forma definitiva pelo Orçamento do Estado;
3. Exigir a Reforma Antecipada das Pessoas com Deficiência aos 55 anos, para quem
tenha 60% de incapacidade;
4. Promover a universalidade no Direito de Voto – acessível, confidencial e secreto em
qualquer ato eleitoral;
5. Garantir direitos iguais, ao nível nacional e regional (Continente e Regiões
Autónomas), de projetos e legislação referentes às pessoas com deficiência;
6. Realizar um estudo sociodemográfico da população com deficiência, já aprovado na
Lei do Orçamento do Estado, como instrumento indispensável à implementação de
políticas adequadas à realidade;
7. Rever os critérios de atribuição do grau de incapacidade, em concordância com a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, como foi recomendado em
2016 pelas Nações Unidas;
8. Cumprir prazos e executar, na íntegra, as verbas orçamentadas para o Sistema de
Atribuição de Produtos de Apoio;
9. Exigir o cumprimento e fiscalização das quotas de acesso ao emprego (público e
privado) para pessoas com deficiência;
10. Assegurar rendimentos que possibilitem uma vida autónoma e digna;
11. Garantir a acessibilidade nos transportes públicos e o direito à livre circulação nas ruas
e em todos os espaços de uso público;
12. Assegurar o direito à habitação (de promoção pública) e o financiamento para a
adaptação dos fogos inacessíveis existentes;
13. Tornar o Ensino e a Formação Profissional verdadeiramente inclusivos, bem como
legislar as condições da frequência do Ensino Superior;
14. Proporcionar acessibilidade física, sensorial e de comunicação em qualquer contexto.
Cultura, desporto, lazer, etc.;
15. Realização do estudo sobre práticas de violência sobre raparigas e mulheres com
deficiência aprovado no Orçamento do Estado 2023 e criar respostas que
efetivamente integrem e protejam as pessoas com deficiência no que concerne ao
combate em relação a todas as formas de violência.
16. Garantir a acessibilidade física e comunicacional e confidencialidade na denúncia de
assédio.
Porque a oportunidade de escolha (de como viver, onde e com quem…) é um direito
básico e inalienável, convocamos todas as pessoas com deficiência a juntarem-se a nós.
Convidamos também a juntarem-se todas as pessoas e coletivos interessados em defender os
Direitos Humanos – e que queiram assumir a defesa da Vida Independente, para todos e todas.
Iremos marchar pelo direito à Vida Independente.
Pela dignidade.
Pelos direitos humanos!
A Comissão Promotora:
Associação Centro de Vida Independente
Associação de Apoio a Doentes Depressivos e Bipolares
Associação de Deficientes das Forças Armadas
Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra
Associação do Porto de Paralisia Cerebral
Associação Nacional de Cuidadores Informais
Associação Portuguesa Voz do Autista
APPACDM Porto
Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal
CAVI APPACDM Évora
Coletivo Feminista As DEsaFiantes
Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral
Mithós Histórias Exemplares
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