Paula Fernandes: “Cuidar fez sempre parte da minha vida”

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Paula Fernandes: “Cuidar fez sempre parte da minha vida”

Desde muito cedo a cuidar da irmã e, mais tarde, da mãe, Paula viveu décadas dividida entre a vida familiar, o emprego e o quotidiano enquanto cuidadora, num equilíbrio entre dever, afeto e prioridades que raramente podiam ser adiadas.

“Podia dizer que sou cuidadora informal desde os 4 anos.”, afirma Paula ao recordar uma vida inteira dedicada aos outros, primeiro à irmã Filipa, com trissomia 21, depois à mãe, já com demência. Cresceu a cuidar, quase sem se aperceber de que cuidava. “A minha irmã era tudo para mim. Se os meus pais viajassem, eu tinha que ir também. Se ela se lembrasse de querer a Paula, tinha que ter a Paula.”, recorda.

O que começou como rotina familiar tornou-se, de forma natural, um compromisso para a vida. Ao longo dos anos, Paula organizou horários, conciliou o emprego, criou o próprio filho e manteve sempre a atenção voltada para a irmã. “Tens que aprender a dosear, a dizer ‘não’. Às vezes é uma luta interna. Mas nunca olhei para isto como um peso.”, sublinha.

Para conseguir ter acesso a diversos tipos de consultas ou simples acompanhamentos diários, Paula sempre se desdobrou entre casa, trabalho e família. E admite que só conseguiu manter esse equilíbrio graças à compreensão do marido e à flexibilidade do emprego. “Parecia que as coisas se compunham para eu estar ali. Era como se estivesse destinado.”, reflete.

Apesar de décadas de dedicação, nunca pediu o Estatuto do Cuidador Informal. “Com a facilidade logística que eu tinha, parecia não fazer sentido. Acho que até devia ter pedido, mas foi um bocadinho por desmazelo e facilidade.”, admite, reconhecendo numa frase o dilema partilhado por milhares de cuidadores: burocracia, falta de informação e apoios pouco acessíveis.

A convivência com instituições também deixou marcas. Paula lembra que, por vezes, quem depende desses serviços perde autonomia e identidade. “Empurrar pessoas para instituições nem sempre é a solução. Muitas vezes ficam sozinhas horas e horas, sem ninguém, sem poder escolher nada: nem a hora do banho, nem da comida.”, critica. Para ela, uma ajuda mínima, financeira ou de serviços pontuais, permitiria que muitas famílias mantivessem os seus dependentes em casa, com mais dignidade.

Ao olhar para trás, não mostra ressentimentos nem arrependimentos profundos. “Fiz o melhor que pude. Cuidar é amor. Dá-se tudo e mais alguma coisa.”, assume. Reconhece que poderia ter sido menos teimosa em algumas decisões, sobretudo com a mãe, nos períodos mais avançados da demência. Mas não hesita naquilo que acredita: “Ser boa para o próximo acaba por voltar.”, destaca.

A história de Paula é apenas uma entre muitas, mas mostra o que raramente se vê: a vida de uma cuidadora informal que cresceu a cuidar, que cuida ainda hoje e que, apesar de tudo, continua a encarar esse papel com naturalidade e humanidade, uma mulher que aprendeu a colocar o mundo em pausas pequenas para que a sua irmã nunca ficasse sem ela.

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