É natural de Felgueiras mas foi com Guimarães que “casou” quando conheceu a esposa, natural deste concelho. Tem três filhos – dois rapazes e uma rapariga -, quatro netos e um negócio criado em consequência do acidente de trabalho que o deixou tetraplégico. Comercializa carros adaptados, foi candidato a presidente de junta e, quem o conhece sabe que o dinamismo é-lhe natural e, por isso, quem sabe o que virá a seguir.
“Eu já fiz quase tudo. Eu comecei no calçado, era trabalhador na indústria do calçado. Mas um dos meus sonhos era trabalhar por conta própria”, começa por dizer. “Eu sempre dizia que não ia acabar a trabalhar para os outros”, reforça.
Foi no início dos anos 90 que se estabeleceu nesta atividade industrial, mas o negócio acabou por não correr bem: “Cheguei a ter uma indústria que fazia mais ou menos 100 pares de sapatos por dia. Entretanto, as coisas correram mal, ficaram a dever-me bastante dinheiro. Eu fechei”, lembra.
Foi para a Alemanha e para a Madeira para pagar as dívidas que tinha contraído, mas esse período nem um ano durou. Foi um momento difícil longe da família e, por isso, não quis prolongar mais do que o necessário esta jornada.
“Juntei o dinheiro para pagar logo e isso ajudou, de alguma maneira, ainda a dar mais valor a Guimarães, valor à vida, valor a tudo”, admite. Como nesta fase trabalhou na construção civil, ao regressar a casa estabeleceu-se como empreiteiro e abriu uma empresa nesta área, atividade que, garante, ainda estaria dedicado se não tivesse tido o acidente.
27 de junho de 2003. Agora fala com mais naturalidade do que aconteceu, mas admite que já chorou muito, que ainda há coisas que o emocionam mas que já fez o luto do antigo Jorge Couto.
Foi a queda de um telhado que lhe provocou esta lesão. Enquanto os funcionários arrumavam as ferramentas, Jorge Couto foi verificar se o trabalho realizado estava bem feito. “Eu ia descer por uma escada de alumínio que estava segura à estrutura, pousei e falso o pé direito e caí”, lembra.
Perdeu os sentidos, foi socorrido pelos Bombeiros Voluntários das Taipas que o encaminharam para o Hospital de Guimarães. Foi transferido para o Hospital em Braga depois de sentir tonturas e só nessa altura teve noção de que a respetiva mobilidade estava comprometida. “Em Braga, por volta da meia-noite, quando acordo é que dou por mim, que realmente estava nesta situação”, relatou ao programa do Goucha. “O choque foi querer mexer os pés e as mãos e não conseguir. A única coisa que conseguia mexer era os olhos e a boca, eu acho que nem o pescoço me lembro de conseguir mexer”, frisa.
“Passei pela fase má e sei que, mais tarde, poderei voltar a essa fase, quando eu estiver sem fazer nada. Nem quero imaginar o que é que será, mas isso não vale a pena pensar. Não vou sofrer para antecipação”.
Jorge Couto
Instalou-se o pânico e ainda demorou uns meses a sair da fase em que a vida parecia que não tinha sentido. Jorge Couto considera que esta reação é natural. “Fui submetido a uma cirurgia para que a lesão não agravasse e seguiu-se a recuperação no Hospital em Braga. Estive lá oito meses onde ganhei bons amigos. As pessoas que eu lá conheci, tanto outros doentes como pessoal médico, etc era tudo boa gente, não tenho razão de queixa,” descreve.
Regressou a casa, enquanto aguardava pela entrada no Centro de Medicina de Reabilitação da Tocha onde permaneceu cinco meses, apoiado na camaradagem para enganar as saudades da família.
Andou anos em disputas com o seguro que alegava que a obra não estava em conformidade, embora a Autoridade para as Condições do Trabalho tivesse feito as visitas regulares obrigatórias. Foi quando percebeu que a peritagem não devia ter acontecido dois meses depois do acidente, que ganhou forças e seguiu com o caso em Tribunal.
“Eu tenho o acidente a 27 de junho e o perito vai vistoriar a obra a 21 de setembro. Quando eu tive o acidente, a ACT visitou a obra e não embargou a obra. Quando o perito vai vistoriar a obra, a obra já tinha telhado”, aponta.
Se fosse agora, tinha pedido ao ACT para enviar o relatório ao seguro mas na altura não estava com disponibilidade mental para entrar nesta “guerra”.
Depois de uns seis anos do acidente decidiu que queria voltar a conduzir e dar mais um passo na respetiva autonomia e independência. Daqui resultou mais uma disputa com o seguro para a atribuição de um carro. Fez os testes necessários para comprovar que era capaz de conduzir mas em Tribunal acabava por perder porque não estava no mercado de trabalho e o investimento do carro não se justificava apenas para passear.
Os argumentos de Jorge Couto não pareciam suficientes para convencer o juiz que não acreditava que ele era capaz de trabalhar. A mudança de juiz trouxe uma mudança na decisão: “Como posso procurar trabalho sem ter como chegar ao trabalho? Transportes públicos na minha zona não há, vou mandar currículos para quê? Eu tinha o sexto ano quando tive o acidente e fui tirar o nono, e depois fui tirar o 12º e apresentei-lhe aquilo tudo”, enumera. Ganhou. Mas os problemas não acabaram aqui. Concretizar a adaptação da carrinha por parte da seguradora não estava a ser fácil, então depois de mais uma chamada a Tribunal encontrou-se uma solução: “Se me derem o dinheiro eu resolvo. Deram-me o dinheiro e em três meses tinha adaptado. Comprei cá em Portugal uma carrinha normal, sem adaptação, tinha que ser de caixa automática e depois contratei uma empresa na Holanda para fazer a adaptação”, lembra.
Depois de tirar um curso de design gráfico na Cercigui, Jorge Couto começou a fazer e a vender brindes nas empresas, negócio que não dava muito dinheiro mas que o mantinha ocupado.
A certa altura, ao reconhecer a facilidade com o que Jorge Couto utilizava a internet, uma irmã pediu-lhe para pôr o carro à venda. Num par de horas, vendeu o carro. O passa-a-palavra foi funcionando e o empreendedor foi vendendo cada vez mais carros. O antigo dono da Auto de S. Tomé contratou-o para vender os carros na internet e, mais tarde, tomou conta do negócio.
Pelo meio, continuou a trabalhar por conta própria e o negócio foi crescendo e foi ganhando experiência. O investimento inicial de 100 euros é resultado da troca que um cliente fez: um carro por uma hoverboard, o preço que este veículo custava na loja. Mais tarde, vendeu uma carrinha adaptada em segunda mão e começou a olhar para este nicho de negócio com outros olhos.
Foi candidato da Coligação Juntos por Guimarães à União de Freguesias de Calvos e Serzedo nas eleições autárquicas de 2017. Perdeu e, agora olhando para trás, considera que foi o melhor que lhe aconteceu, caso contrário não tinha avançado com um negócio que o deixa feliz e lhe dá estabilidade financeira – o serviço de táxis adaptados é a mais recente novidade e tem havido muita procura.
Em 2019 deu mais um passo importante para ter uma vida independente e contactou o Centro de Apoio à Vida Independente da Póvoa de Lanhoso para solicitar os serviços de assistente pessoal. “Ele põe-me a pé de manhã, ajuda-me na higiene pessoal e coloca-me na cadeira. A partir daí já vou sozinho. Depois às tardes de terças, quartas e quintas tenho-o aqui comigo no stand a ajudar no que precisar”, descreve o serviço prestado por dois assistentes pessoais.
Fora do stand Jorge Couto identifica-se como “o organizador de jantares com os amigos”. “Não gosto de solidão, mas também tenho os meus momentos de solidão que eu preciso dela como qualquer outra pessoa, claro, até para sossegar e depois ganha energia para depois mais um convívio”, atira quem já conseguiu levar a família alargada a visitar os Açores.
Esta boa disposição e otimismo não o fazem esquecer alguma mágoa por sentir que o acidente comprometeu a proximidade com que acompanhava o crescimento dos filhos nem a importância do apoio da mulher em todas as fases e o papel que ainda agora desempenha enquanto cuidadora informal. Jorge Couto espera que o orgulho que tem na família seja recíproco. Será, certamente.
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