Lares residenciais vimaranenses erguem muralha de proteção contra o covid-19

PorFórum

Lares residenciais vimaranenses erguem muralha de proteção contra o covid-19

Os lares residenciais das instituições vimaranenses que dão apoio às pessoas com deficiência desdobram-se em medidas para evitar que o cenário do Centro de Apoio e Reabilitação de Pessoas com Deficiência de Touguinha, em Vila do Conde, em que 83 dos 94 residentes estão com covid-19, se reproduza em Guimarães.

“É num equilíbrio entre incerteza e esperança que temos de nos mover” disse-o a ministra da Saúde, Marta Temido, na habitual conferência de imprensa este domingo de Páscoa. E tem sido assim que o país e o mundo têm combatido o novo coronavírus que há cerca de quatro meses surgiu em Wuhan, Hubei, na China depois de detetados vários casos de pneumonia de origem desconhecida em finais de dezembro. Desde essa altura, a propagação do covid-19 tem galgado o planeta e a doença já se espalhou por 175 países (apenas 18 países no mundo não têm casos confirmados da doença).

Esta pandemia chegou a Portugal a 02 de março. Cerca de um mês e meio depois dos dois primeiros casos identificados em território nacional muita coisa mudou, inclusivamente, a forma como as instituições de apoio a pessoas com deficiência têm vindo a gerir as equipas nos lares residenciais.

Neste momento quer o Lar Residencial Alecrim da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, quer a Associação de Paralisia Cerebral de Guimarães (APCG), quer a Cercigui têm conseguido evitar que este inimigo invisível entre pelas portas destas valências. O Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência falou com os responsáveis destas instituições para acompanhar as mais recentes medidas tomadas para se defenderem do novo coronavírus.

“Vive-se tempos de muita angústia e medo pelo que pode acontecer, cada dia sem nenhum caso é mais uma vitória”. Diretora técnica do Alecrim, Cláudia Leite

O plano de contingência inicial da maioria das entidades supunha as medidas de prevenção relacionadas com a higienização, como é o caso da lavagem das mãos, a desinfeção de todas as superfícies de trabalho e a explicação das regras de etiqueta respiratória, mas também a suspensão das atividades no exterior, da entrada de pessoas externas aos serviços e as medidas de isolamento a tomar se algum caso suspeito se manifeste.

Agora, principalmente depois dos Centros de Atividades Ocupacionais (CAO), de Reabilitação e de Formação Profissional fecharem, as equipas tiveram que se reorganizar para minimizar os riscos de contágio e conseguirem garantir a substituição imediata se aparecerem casos suspeitos.

Nove clientes do lar residencial da Associação de Paralisia Cerebral de Guimarães com a faixa "Vai tudo ficar bem" e o arco-íris pintado “Parte da instituição está com as atividades suspensas e os respetivos colaboradores estão disponíveis para substituir outros, desta maneira é possível que uns estejam em casa e outros a trabalhar sem aglomerar pessoal no mesmo espaço. Temos várias equipas prontas para revezarem”, começa por explicar o presidente da Associação de Paralisia Cerebral de Guimarães, Joaquim Oliveira.

São 13 os clientes do CAO da APCG que permanecem em casa e neste momento estão 17 utentes do lar residencial em confinamento social. As equipas, compostas por um total de 10 elementos, fazem turnos quinzenais – quatro colaboradores no período noturno e três no período diurno aos quais se juntam técnicos em teletrabalho e outros presencialmente. “Felizmente está muito bem organizado e os serviços estão a funcionar, Deus queira que continue assim”, deseja Joaquim Oliveira.

Seis clientes do lar residencial da Cercigui com a faixa "Vai ficar tudo bem" e o arco-íris pintado

Também a Cercigui, no apoio aos 21 clientes que tem nos lares residenciais, trabalha em “espelho” com turnos semanais de forma a proteger, quer os clientes quer os colaboradores. “Neste momento temos sete colaboradores de dia, quatro de noite, duas funcionárias de limpeza, um motorista, aos quais se juntam os técnicos e administrativos. Fazem uma semana completa e trocam”, esclarece o presidente da Cercigui, Rui leite.

No Centro de Atividades Ocupacionais e Lar Residencial Alecrim da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães há 10 colaboradores, um animador, um terapeuta ocupacional e a diretora técnica para dar resposta aos 14 clientes do lar residencial – apenas três utentes do CAO foram para casa. “As colaboradoras estão divididas em quatro equipas – duas diurnas e duas noturnas – que se revezam a cada dois dias de trabalho. O mesmo acontece com a animadora e a terapeuta ocupacional que estão acopladas cada uma delas a uma equipa diurna distinta”, explica a diretora técnica do Alecrim, Cláudia Leite.

Seis clientes do lar residencial Alecrim junto a três flores coloridas afixadas num placar na paredee

Os aplausos das varandas em homenagem aos profissionais de saúde e às forças de segurança que estão na linha da frente na luta contra esta doença mão podem esquecer estes “heróis” anónimos que trabalham nestas respostas sociais. Todos os colaboradores que, diariamente, cuidam das pessoas com deficiência destas instituições motivam palavras de agradecimento por parte dos dirigentes destas entidades.

“Obrigado”, resume a diretora técnica do Alecrim. “Todos os colaboradores têm sido incansáveis na sua dedicação e disponibilidade na adaptação às novas exigências”, acrescenta Cláudia Leite. O presidente da APCG, também ele uma pessoa em risco de doença grave por covid19, diz que é preciso “agradecer a quem lá está”. “Eu há três semanas que estou preso aqui em casa e tento seguir tudo através das colaboradoras mas não estou presente, o que é uma das coisas que mais me custa: não estar a dar a cara por aquilo que represento”, lamenta Joaquim Oliveira. “Não há palavras que sejam suficientes para agradecer a todos”, começa por dizer o presidente da Cercigui. “Muitos dos nossos colaboradores estão a assumir tarefas diferentes das habituais para poderem continuar a ajudar. A grande palavra que todos os colaboradores têm em mente neste momento é servir. A direção perante tal disponibilidade e humanidade só tem uma, que é pequena para tanto: Obrigado”, acrescenta Rui Leite.

“Todos os familiares tiveram uma reação positiva, pois todas as medidas tomadas visam proteger e salvaguardar o bem-estar dos utentes”. Cláudia Leite

Também os familiares dos residentes dos lares se dividem entre a angústia de não poderem realizar visitas e a preocupação com um potencial contágio por se tratarem, muitas vezes, de pessoas mais vulneráveis devido a problemas de saúde pré-existentes. “Mas as famílias dos que estão confinados estão a entender perfeitamente que não podem visitar e que é tudo para bem deles”, refere Joaquim Oliveira e Rui Leite concorda.

Para fintar a distância física e o isolamento social todas as instituições recorrem às videochamadas, mas nem todos os clientes conseguem conversar com os respetivos familiares. Emília Freitas tem o filho na APCG há cerca de um ano e diz que ele não consegue comunicar o que pensa desta situação nem perceber porque a mãe o deixou de visitar todos os fins-de-semana. “Deve julgar que o abandonámos, mas eu sei que é o melhor para ele”, refere por telefone a uma das responsáveis pelo projeto “Nós, os cuidadores” desenvolvido pela Plural&Singular e o Núcleo de Inclusão que a gere.

O apoio psicológico em grupo dirigido aos cuidadores informais vimaranenses presencial não se pode realizar e as reuniões à distância foram, desde logo, colocadas fora de questão devido a todos os constrangimentos potenciais associados. “As dificuldades em articular a disponibilidade de todos os participantes, em ter as condições tecnológicas necessárias e a possibilidade de qualquer tentativa de o fazer originar mais stress do que o bem-estar esperado fez-nos ‘desistir’ rapidamente desta hipótese”, explica a coordenadora do projeto Sofia Pires. “Não sendo viável o acompanhamento em grupo, nesta fase de isolamento social optámos por conversar com as cuidadoras uma a uma para sensibilizar para as medidas de proteção, para esclarecer dúvidas e dar apoio psicológico na gestão do stress e da ansiedade provocadas por este contexto”, explica a psicóloga do projeto, Sónia Lopes.

Também a Cercigui colocou a equipa de assistentes sociais e psicólogos “em constante acompanhamento telefónico” dos familiares dos residentes nos lares. “E temos ainda uma equipa de prevenção, caso seja necessário apoiar as famílias, quer seja para ir buscar bens essenciais ou medicamentos”, revela Rui Leite.

Os residentes em confinamento do lar residencial Alecrim “começam a acusar algum cansaço e saturação”, porque algumas das rotinas foram alteradas assim como as idas a casa de alguns utentes e a frequência de certas atividades como, por exemplo, a hidroginástica”. “Mas a animadora e a terapeuta ocupacional têm desenvolvido atividades no sentido de ocupar todos os tempos livres e assinalar todas as datas comemorativas durante este período de quarentena”, adianta Cláudia Leite. Rui Leite atesta que os clientes da Cercigui apesar de todos os constrangimentos vivenciados conseguem “manter-se bem-dispostos e alegres”. “Eles são os nossos heróis. Claro que sentem a falta das atividades habituais. Muitos deles tinham judo, ginástica, reiki, equitação, natação e tudo isto ficou suspenso. Mas temos conseguido animá-los com outras atividades”, garante o presidente da Cercigui.

Os passeios higiénicos têm sido geridos com muito cuidado, mas as três instituições conseguem garantir que os residentes apanhem sol e respirem ar fresco para tornar este isolamento social mais fácil de suportar. “As saídas ao exterior acontecem só nas imediações do Alecrim, por curtos períodos não sendo permitido qualquer contacto com pessoas externas ao lar e tendo todas as medidas de desinfeção aquando da entrada novamente nas instalações, principalmente, no que diz respeito ao calçado”, explica Cláudia Leite. Tanto a APCG como o lar residencial da Cercigui de S. João de Ponte têm a vantagem de estarem rodeados por muito terreno e vegetação permitindo que os passeios sejam frequentes e descontraídos.

O acompanhamento remoto em relação às valências cujas atividades foram suspensas está a ser preparado pela APCG. “Os responsáveis informáticos estão a encontrar soluções informáticas acessíveis para que os técnicos de reabilitação, que estão em casa em teletrabalho, possam entrar em contacto com as famílias, falar com elas, auscultar as necessidades que têm e enviarem trabalhos e atividades para as crianças. O que nos interessa no fundo é que as famílias sintam que não estão abandonadas”, explica o presidente.

A reabilitação à distância, conforme Joaquim Oliveira diz, é inviável. “A fisioterapia é impossível fazer pela internet mas pelo menos tentámos não estar isolados e não ter as famílias isoladas do Centro de Reabilitação”, acrescenta.

O Alecrim pondera estudar alternativas de apoio aos três clientes do CAO que estão em casa caso esta situação se prolongue por muito tempo. Na Cercigui trabalha-se “para recuperar tudo o que ficou suspenso”. “As famílias e clientes são acompanhadas regularmente, via telefone, pelos técnicos ao serviço”, afirma Rui Leite.

“Temos tentado manter a esperança e a alegria que nos é reconhecida habitualmente. Quer perante os que estão a trabalhar, quer com os que estão em casa. O nosso objetivo principal é conseguirmos sair deste período, todos com saúde e espírito positivo, sempre na salvaguarda do bem-estar dos nossos clientes e colaboradores”. Rui Leite

Vivemos uma crise de saúde provocada pelo covid-19, temos a vida social entre parêntesis, como a própria ministra da Saúde refere, o estado de emergência prolongado até 01 de maio e mais de metade do país está parado. Embora a prioridade seja o combate à pandemia, as medidas decretadas para o conseguir fazer implicam problemas económicos que Portugal, a Europa e os restantes países do mundo terão que enfrentar. Embora o Governo já tenha adotado medidas para mitigar o impacte económico, que também contemplam a atribuição dos apoios de caráter extraordinário, temporário e transitório, destinados ao setor social e solidário, os efeitos da pandemia covid-19 fizeram-se sentir muito rapidamente.

Mas sobre isso o Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência vai-se debruçar, usando as palavras de Fernando Pessoa, “depois de amanhã, sim, só depois de amanhã”, não em jeito de adiamento, mas por uma questão de gestão de prioridades. Neste momento Portugal e o mundo estão focados na prioridade que Joaquim Oliveira sublinha: “Nesta altura a única coisa que se deve fazer é virarem-se para a saúde porque é essencial, tudo o resto é supérfluo. Que interessa ter tudo se depois não se tiver saúde?”.

 

 

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