Olá eu sou o Zeca, queres ser meu amigo?

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Olá eu sou o Zeca, queres ser meu amigo?

Chama-se Zeca e é um robot programado pelo Departamento de Eletrónica Industrial da Escola de Engenharia da Universidade do Minho para interagir com crianças e jovens com perturbações do espetro do autismo. O intuito deste projeto de investigação, que inclui o desenvolvimento de software de jogos sérios, é melhorar a identificação das emoções, uma competência que muitas vezes está comprometida devido a este diagnóstico.


A maioria das crianças que, ao longo destes anos, têm conhecido o Zeca não lhe fica indiferentes. E a ideia é, precisamente, que sintam vontade de interagir com este robot para desenvolverem as respetivas competências sociais. Isto porque, quando este projeto de investigação da Universidade do Minho começou, em 2009, propôs-se a colocar a tecnologia à disposição de crianças com perturbações do espetro do autismo com o objetivo de trabalhar nelas as interações e habilidades sociais necessárias à respetiva inserção familiar e comunitária.

É de inclusão que se está a falar e tudo começou como todos os grandes projetos começam: “por acaso”. Filomena Soares, docente do Departamento de Eletrónica Industrial (DEI) da Universidade do Minho (DEI-UM) e investigadora no Centro de Algoritmi depois de conversar com a mãe de uma amiga da filha que é psicóloga na Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Braga apresentou aos colegas do departamento a ideia de avançar com algo nesta área. A verdade é que não sabiam nada sobre autismo e “depois de alguma pesquisa na literatura existente”, decidiram, no âmbito de “dois mestrados em Eletrónica Industrial, utilizar o robot da Lego para trabalhar com dois jovens adolescentes com autismo, não-verbais e com deficiência intelectual associada”.

“De facto, os resultados foram muito positivos, o que nos levou a considerar que havia espaço para utilizarmos a tecnologia para chegar aos jovens”, refere Filomena Soares. E os resultados podem demonstrar-se em coisas simples como um deles entrar na sala e sentar-se na cadeira mais próxima do robot. “Nunca o tinha feito porque havia a cadeira que era, especificamente, a dele e isso para as professoras foi algo muito positivo”, acrescenta a docente e investigadora no Centro de Algoritmi da UM.

Decidiram continuar com o trabalho utilizando os robôs da Lego, por serem resistentes, de baixo custo e modulares. “Utilizávamos diferentes configurações, diferentes montagens para testar diferentes competências nas crianças”, explica.

Segundo Filomena Soares o robot funcionava como um reforço do objetivo da aprendizagem: “A criança tinha que pedir quando queria alguma coisa”, neste caso a criança tinha que pedir para o robot lhe lançar a bola. Depois evolui-se para a colocação de duas crianças juntas, com o robot no meio “como mediador da tarefa”. No final o robot foi retirado e ficaram só as duas crianças neste “processo de brincar a lançar a bola um ao outro”. “A utilização do robot é sempre o ponto de partida, a intenção final é que ele já não seja necessário”, acrescenta João Sena Esteves, também docente do DEI da Universidade do Minho e investigador no Centro de Algorítmica.

Depois de aprovada a candidatura a financiamento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia mudaram o foco da investigação. Se até ali se tinha trabalhado a realização, por assim dizer, de tarefas simples, a partir daquele momento decidiram trabalhar as emoções. “E para isso tínhamos que ter um robot que não o Lego”, refere Filomena Soares.

Zeno Engaging Children with Autism é o nome completo do Zeca, uma designação portuguesa e mais amistosa para fazer as devidas apresentações às crianças. “Este robot tem um polímero na cara que se assemelha a pele, por dentro tem uma série de motores que devidamente programados permitem simular o sorrir, o estar triste, o zangado”, explica a investigadora.

No âmbito do doutoramento de Sandra Costa realizou-se o primeiro estudo com 45 crianças em que o robot continuava a ser um reforço e um mediador na atividade. Foi depois do financiamento acabar que o professor João Sena Esteves se envolveu com o projeto porque o entusiasma muito “ajudar quem mais precisa”, percebendo também que cada pessoa continua a ser um mistério. “Os robots ajudam o que podem até um certo ponto, nem sempre há resultados espetaculares, outras vezes há coisas que nos alegram muito”, admite o investigador do Centro de Algoritmi.

Neste projeto de investigação a protagonista, de facto, é a pessoa, o Zeca existe enquanto for uma ajuda viável e para tirar partido do facto de algumas crianças com autismo se sentirem fascinadas pela tecnologia. “Ele é um ponto de partida para começarem a interagir um pouco mais”, refere João Sena Esteves.

 

O intuito deste projeto de investigação, que inclui o desenvolvimento de software de jogos sérios, é melhorar a identificação das emoções, uma competência que muitas vezes está comprometida devido a este diagnóstico.

Vinicius Silva “entra” neste projeto no quarto ano de licenciatura no âmbito da disciplina de projeto e, por causa do interesse que sempre teve pela área da Robótica, decidiu desenvolver com o Zeca “um sistema de imitação de gestos”, recorrendo a uma câmara que mapeava as coordenadas. “Basicamente tudo o que se fazia, o Zeca replicava e para validar o sistema fizemos uma experiência com uma criança com hiperatividade e outra com dificuldades em perceber gestos bilaterais”, descreve.

A intenção deste teste era a criança com hiperatividade fazer os gestos, a câmara mapeá-los, o robot repetir os gestos e a outra criança imitá-los. “Uma interação entre os três para a criança com hiperatividade estar mais calma e a outra criança sincronizar os gestos bilaterais. Dois objetivos diferentes com crianças com diagnósticos diferentes”, resume Vinicius Silva.

Já no quinto ano, durante o mestrado, o investigador decidiu apostar na autonomia do Zeca. Até àquela altura nas experiências efetuadas quem validava se a resposta estava certa ou errada era a terapeuta ou a investigadora através de dois botões que iam indicar o feedback que o robot tinha a dar. “A minha intenção era torná-lo automático e para isso usar técnicas de aprendizagem automática, construir um modelo e a partir daí o robot foi capaz de detetar emoções”, diz.

No final foi efetuada uma experiência com sete crianças dos cinco aos nove anos durante quatro sessões para verificar se sortia algum efeito esta aposta de Vinicius Silva no projeto. “Seis das sete crianças participaram e houve evolução”, revela. Uma criança não participou porque teve medo do robot, o que também demonstra o facto de cada criança com perturbações do espetro do autismo ter “as suas particularidades”.

O doutoramento de Vinicius Silva está a dar continuidade ao trabalho realizado no mestrado e pretende tornar o Zeca ainda mais autónomo dotando-o da capacidade de se adaptar à intervenção. “Basicamente o robot não tem noção nenhuma se a criança está atenta, se está distraída então a intenção é analisar a direção ocular ou então a postura corporal da criança e durante a atividade se o robot notar que ela está distraída chamar a atenção outra vez para a atividade”, explica o investigador.

Embora a investigação e o desenvolvimento do projeto se realize no Campus de Azurém, em Guimarães, a verdade é que o Zeca tem percorrido várias escolas e instituições do Norte do país para ir ao encontro dos novos amigos. Também os técnicos têm apresentado muita disponibilidade para trabalhar com este complemento à intervenção pedagógica destas crianças.

O futuro? Não se esgota o potencial de investigação deste projeto. A continuidade do projeto está dependente de um possível financiamento, de alunos que se interessem por desenvolver as respetivas teses de mestrado neste âmbito e da disponibilidade das escolas e instituições para colaborarem.

“Há tanta coisa que é possível fazer, temos investido também em jogos sérios. O que substitui o robot pelo tablet”, revela Filomena Soares. “Se calhar uma ferramenta mais acessível e mais disponível para ficar na escola e ser trabalhada pelos professores”, analisa.

Com este Zeca virtual foram elaborados jogos para cumprir o objetivo de identificar as emoções e assim, quem sabe, a criança consiga dizer que está contente por ter um amigo como o Zeca.

Para mais informações sobre o projeto contactar roboticaautismo@gmail.com

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